O Ministro Marcelo Ribeiro reconsiderou a decisão anterior e em sede de Agravo Regimental, concedeu ao Deputado Arnaldo França Vianna a liminar requerida, suspendendo, os efeitos do acórdão regional que decretou sua inelegibilidade.
Vejam a íntegra da decisão:
PROCESSO: AC Nº 155160 - Ação Cautelar UF: RJ
DECIDO
Arnaldo França Vianna e Hélio José Anomal de Almeida ajuizaram ação cautelar, com pedido de liminar, objetivando a suspensão dos efeitos do acórdão proferido no Recurso nº 7.342 pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ) que decretou a inelegibilidade dos requerentes pelo prazo de 3 (três) anos, contados da Eleição de 2008, por abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação social (fls. 7-16).
Aduziram os autores que, nos termos do art. 26-C da LC nº 64/90, esta Corte é competente para apreciar a presente cautelar e a jurisprudência do Tribunal autoriza o manejo desta ação para emprestar efeito suspensivo a recurso especial ainda não interposto (fls. 2-3).
Noticiaram que (fl. 7):
Em sessão realizada pelo TRE/RJ em 27.05.2010 os ora requerentes foram condenados pela suposta prática de abuso de poder político e dos meios de comunicação social (Recurso Eleitoral nº 7.342) em sede de duas AIJE movida em razão dos seguintes fatos:
a) contratações temporárias e terceirização de servidores com escopo eleitoreiro, pelo então Prefeito Municipal, Alexandre Mocaiber;
b) utilização abusiva do periódico Folha da Manhã.
5. À publicação do r. acórdão condenatório seguiu-se a oposição de embargos de declaração, rejeitados na última segunda-feira (28.06).
Defenderam a existência do fumus boni juris, tendo em vista a elegibilidade dos requerentes, uma vez que as modificações introduzidas pela nova legislação não se aplicam às eleições de 2010, nos termos do art. 16 da Constituição Federal (fl. 7).
Sustentaram que, nos termos do art. 5º, XXXIX e XL, da Constituição Federal, "parece óbvio que os dispositivos modificados não se aplicam a processos pendentes, aos quais, evidentemente, deve ser aplicada a legislação que vigorava no momento em que proferida a decisão condenatória: no caso, deverão ser observados os arts. 15, e 22, XIV, LC nº 64/90, nas suas antigas redações" (fl. 8).
Asseveraram que ¿a condenação foi prolatada em 27.5.2010 e, assim, antes da publicação da LC nº 135/2010, que se deu em 07.6.2010" (fl. 10).
Quanto à condenação, afirmaram:
a) a existência de flagrante cerceamento de defesa, pois não foi oportunizada aos requerentes a produção de prova testemunhal (fl. 10);
b) que os argumentos utilizados para demonstrar a participação dos requerentes nos atos ilícitos são por deveras frágeis (fl. 11);
c) que o acórdão regional não aponta qualquer elemento - sequer indiciário - que comprove a ingerência dos requerentes nas matérias publicadas no periódico Folha da Manhã (fl. 12);
d) ser evidente a ausência de potencialidade lesiva (fl. 13);
e) ser inconsistente a imputação de abuso do poder político e econômico na utilização de terceirizações praticadas pelo então prefeito Alexandre Mocaiber (fl. 13).
Consignaram também que "o acórdão regional, em cristalina violação aos arts. 2º, 128 e 460, todos CPC, firmou convencimento em fatos não descritos na inicial e em documentos constantes em AIJE que, embora conexa, transitou em julgado após sentença monocrática que julgou improcedente o pedido formulado" (fl. 14).
Quanto ao periculum in mora, argumentaram que, não obstante a viabilidade do recurso especial a ser interposto, há risco de que a condenação inviabilize a candidatura de Arnaldo França Vianna à reeleição ao cargo de deputado federal, em decorrência da edição da LC nº 135/2010 (fl. 7).
Requereram, ao final, a concessão da liminar "para suspender os efeitos dos acórdãos até o julgamento do recurso especial que será interposto a esse TSE, com a consequente sustação da eficácia da sanção de inelegibilidade aplicada" e, nos termos do art. 37 do CPC, "a concessão do prazo de 15 (quinze) dias para exibição do instrumento de procuração do requerente Hélio Anomal" (fl. 16).
Neguei seguimento à ação cautelar (fls. 271-278).
Daí o presente agravo regimental interposto por Arnaldo França Vianna e por Hélio José Anomal de Almeida (fls. 284-297). Reiteram os argumentos e sustentam, em síntese, que:
a) "se para o pretenso candidato à Governador - que se candidatou a Deputado Federal -, Anthonny Garotinho, pode-se conceder o efeito suspensivo ao recurso, alterando supervenientemente a situação de seu registro de candidatura, é elementar que ao ora Agravante, também candidato a Deputado Federal, é possível igual deferimento" (fl. 288);
b) A LC nº 135/2010 não se aplica a situações consolidadas antes da vigência da lei, como se dá no caso dos autos, sendo tal fundamento suficiente a ensejar a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial;
c) a decisão monocrática, ao transcrever trechos do acórdão regional - dos quais o ora agravante já tinha pleno conhecimento -, sem analisar as teses recursais, "perpetrou evidente negativa de prestação jurisdicional¿ (fl. 290);
d) não há "preclusão da produção das provas se foram elas indicadas na defesa com, inclusive, apresentação do rol de testemunhas" (fl. 291);
e) ao contrário do consignado na decisão agravada, a Corte Regional não esclareceu sobre a responsabilidade do agravante na publicação de matérias no Jornal Folha da Manhã; da existência de finalidade eleitoral na contratação de servidores temporários, e da neutralidade das condutas, em razão da prática de abusos pelos candidatos ora agravados, o que foi reconhecido pelo TRE/RJ nos processos nos 7343 e 7345;
f) "o abuso cometido pelos agravados neutralizou a ocorrência da potencialidade (art. 14 § 9º da Constituição Federal) nas condutas imputadas aos agravantes, donde se conclui pela necessidade de reforma do acórdão, com a improcedência da AIJE" (fl. 296).
É o relatório.
Decido.
A decisão agravada merece reforma.
Creio ser plausível o argumento de que as condutas tidas como abusivas pela Corte Regional não foram em nenhum momento imputadas diretamente aos agravantes, que, na qualidade de beneficiários, tiveram sua inelegibilidade decretada, com base no disposto nos incisos XIV e XV do art. 22 da LC nº 64/90.
Os fatos foram assim descritos no voto condutor do acórdão regional (fl.127):
Outrossim, como se irá demonstrar, configurou-se a prática de abuso de poder econômico e político, insculpido no art. 22, da Lei Complementar n° 64/90, pelo ex-Prefeito do Município de Campos dos Goytacazes, Alexandre Mocaiber, pelo fato de ter dado continuidade e respaldo à contratações irregulares engendradas por seus antecessores, as quais possuíam a espúria finalidade de angariar votos para a campanha do candidato Arnaldo Vianna e de seu vice Hélio José Anomal, sendo certo que contou a todo instante com o apoio do periódico "Folha da Manhã".A Corte Regional, ao se pronunciar sobre a ausência de responsabilidade dos ora agravantes nos atos abusivos, assim consignou (fl. 191):
De igual forma, no que concerne à referência à omissão do acórdão em deixar de analisar a alegação de que os embargantes não possuem qualquer ingerência nos atos praticados pelo então Prefeito de Campos, no que diz respeito às terceirizações ou ainda do conteúdo das matérias publicadas no Jornal Folha da Manhã, importa observar que a condição de eventual beneficiário de abuso de poder econômico deve ser sopesada com prudência e cautela, porém a suposta ausência de responsabilidade dos recorrentes pela veiculação das matérias abusivas afigura-se inócua, já que pode vir a ser configurado o abuso de poder mesmo sem ter havido participação do candidato beneficiado, se evidente a potencialidade de influência no pleito.
Verifica-se, portanto, que os fatos objeto da condenação foram: a contratação irregular, com fins eleitorais, de servidores terceirizados pelo então prefeito Municipal, Alexandre Mocaiber, e o uso indevido dos meios de comunicação por meio da divulgação de matérias no Jornal Folha da Manhã, em benefício dos então candidatos a prefeito e a vice-prefeito do Município de Campos dos Goytacazes/RJ, ora agravantes.
A sanção de inelegibilidade, ao que se percebe neste juízo prefacial, foi imposta aos agravantes, na qualidade de beneficiários, não constando em nenhum momento nos acórdãos recorridos sua eventual participação nas condutas.
Ressalte-se que, em princípio, está correta a assertiva do Tribunal a quo de que "O abuso de poder [...] pode ser apurado tanto em relação ao beneficiário como em relação ao autor do ilícito, porquanto o que se busca preservar é a lisura do pleito" (fl. 191). Tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência desta Corte.
Ocorre que o abuso de poder potencialmente apto a desequilibrar o pleito tem como consequência a perda do registro ou do diploma do candidato beneficiário, mesmo que não tenha ele sido responsável pelas condutas, porquanto o bem jurídico protegido, nessa hipótese, é a lisura do pleito.
No entanto, a sanção de inelegibilidade, por ter caráter pessoal, está vinculada àquele que efetivamente praticou o ato, pois, nesse caso, o bem jurídico resguardado pela norma não está relacionado à legitimidade das eleições, mas sim à legitimidade da própria conduta praticada pelo agente, no âmbito eleitoral.
Nesse sentido, destaco os seguintes julgados desta Corte:
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - ATOS ABUSIVOS PRATICADOS PELO PREFEITO À ÉPOCA DA ELEIÇÃO E NÃO PELOS CANDIDATOS - CASSAÇÃO DE DIPLOMAS - IMPOSSIBILIDADE DE SER DECRETADA A INELEGIBILIDADE DOS CANDIDATOS ELEITOS PORQUE, APESAR DE BENEFICIADOS, NÃO PRATICARAM OS ATOS ABUSIVOS.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA REFORMAR O ARESTO REGIONAL NA PARTE EM QUE DECRETOU A INELEGIBILIDADE DOS RECORRENTES. (Detaquei).
(REspe nº 15.762/MG, DJ de 8.9.2000, rel. Min. Fernando Neves da Silva).
ABUSO DE PODER ECONOMICO.
SENDO A NORMALIDADE DO PLEITO O VALOR A SER RESGUARDADO, A CASSAÇÃO DO REGISTRO PODERÁ OCORRER, AINDA QUE, PARA A ILICITUDE, NÃO CONCORRA O CANDIDATO. NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DA DEMONSTRAÇÃO DE QUE FORTEMENTE PROVÁVEL HAJA A PRÁTICA ABUSIVA DISTORCIDO A MANIFESTAÇÃO POPULAR, COM REFLEXO NO RESULTADO DAS ELEIÇÕES.
IMPUTÁVEL AO PRÓPRIO CANDIDATO O PROCEDIMENTO ILÍCITO, ALÉM DA CASSAÇÃO DO REGISTRO, RESULTARÁ A INELEGIBILIDADE. EM TAL CASO, BASTARÁ A POTENCIALIDADE DE SER AFETADA A NORMALIDADE DAS ELEIÇÕES, NÃO SE EXIGINDO FIQUE EVIDENCIADO O FORTE VÍNCULO DA PROBABILIDADE QUE SE FAZ MISTER QUANTO A PRÁTICA E DE RESPONSABILIDADE DE TERCEIRO...]
(AG nº 1.136/MT, DJ de 2.10.98, rel. Min. Eduardo Ribeiro).
Diante do exposto, reconsidero a decisão agravada, com base no art. 36, § 9º, do RITSE, para deferir a liminar, sustando os efeitos do acórdão regional, até o julgamento do Agravo de Instrumento nº 2623-82 por esta Corte.
Comunique-se, com urgência, ao egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Cite-se.
Publique-se.
Brasília-DF, 30 de setembro de 2010.
Ministro Marcelo Ribeiro, relator.
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